terça-feira, 22 de junho de 2010

Um velho sonho com nova roupagem, por Lourdes Nassif

A América Latina carrega um velho sonho de integração. Não tão sólido que tenha prosperado e não tão etéreo que não tenha feito história. Os países da América Latina tentam há tanto tempo quanto a Europa dar esse passo, que vem desde a Segunda Guerra Mundial.

No caso da Europa a integração começou com a união dos países produtores de carvão e aço, na tentativa de fazer frente às dificuldades. Neste primeiro passo temos Inglaterra, Alemanha, França e Luxemburgo. A partir dali vários passos foram dados, num caminhar de mais de 60 anos. Paulatinamente os interesses foram abrangendo outras áreas de integração, chegando ao modelo atual.

“Surpreendentemente a América Latina tem um velho sonho de integração, tão antigo quanto da Europa”, pontua o sociólogo Chico de Oliveira em entrevista à Revista Valor Latino, “começou quase ao mesmo tempo estimulado pela Cepal – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, que é quem fez a teoria de integração latino-americana e também os esforços para que essa integração tivesse resultado”, completa.

Passos para a integração

A busca pela integração começou com a criação da Cepal, ou Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Sua criação data de 1948, pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, com o claro objetivo de incentivar a cooperação econômica entre seus membros. E existe até hoje como uma das cinco comissões regionais da ONU, monitorando e assessorando o desenvolvimento econômico da região com o acréscimo de alguns países com interesses históricos, culturais ou econômicos com a região.

Na década de 1960, novo movimento de integração foi feito, desta vez com a Alalc - Associação Latino-Americana de Livre Comércio, uma tentativa mal sucedida que obteve a adesão de Brasil, Argentina, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai, expandindo-se nos anos 1970 com a adesão de Bolívia, Equador, Colômbia e Venezuela.

Em 1980 a Alalc se tornou Aladi - Associação Latino-Americana de Integração, que tem como objetivo eliminar os obstáculos ao comércio entre os países membros, criando produtos e áreas de comércio que atendam aos participantes. Os participantes vão se reunir a cada 2 anos para analisar o biênio que finda e planejar aquele que se inicia.

Com essa associação mais substanciada de países, a Aladi conseguiu se manter, mas ainda calcada em tratados comerciais entre os participantes, e não uma integração de maior monta.

Outra tentativa ficou com a Alca – Área de Livre Comércio das Américas, que ficou só no papel e na vontade, única associação com os Estados Unidos como membro e principal obstáculo ao entendimento.

A saída é o cidadão

Para Chico de Oliveira isso tudo não basta. “Se não houver integração de cidadãos não acontecerá a integração de países”, diz ele. “Nos anos 60 duas coisas aconteceram que quebraram o processo de integração, uma foi a sucessão de ditaduras militares nos países da América do Sul e a outra foi os países mais importantes da América Latina que acharam que o melhor seria integrar-se com os países do Primeiro Mundo, desprezando a integração latino-americana”, completa o sociólogo.

E uma integração entre povos o que facilitaria? Se os cidadãos podem se locomover, morar em outros países, estudar, trabalhar e ter uma coincidência em termos de leis de Seguridade Social, essa integração começará a trilhar um caminho menos tortuoso. Se dependermos só de relações comerciais, as malhas que se formam não dão sustentação ao todo, ao desejo de integração real.

Chico lembra que “a integração nunca foi muito popular nos países da América Latina, nunca despertou interesses mais amplos do que aqueles que estavam diretamente relacionados com o processo”, e arremata, “a partir dos anos 80 houve um renascimento da idéia de integração, mas mais modestas, intensificando-se acordos entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai”.

Pontos importantes na pauta da integração

Com a quebra do ritmo que vinha sendo colocado para a América Latina, por conta dos governos totalitários a partir de 1964, só restou tratados modestos, uma união alfandegária muito precária.

Com a retomada das conversas de integração, os países da América Latina precisariam, num primeiro momento, integrar fronteiras, liberando a circulação de pessoas, como a Comunidade Européia fez entre seus integrantes.

Outro ponto a se observar é a concorrência entre Brasil e Argentina no quesito liderança. Além disso, temos neste caso duas economias coincidentes, e não complementares. Isso cria animosidade, desconfiança e pode retardar o processo como um todo. Além disso, como bem lembra Chico de Oliveira, “ainda não se sabe muito bem qual é a política do estado brasileiro”. Para ele tem-se muita retórica e pouca substância, sem passos realmente decisivos em direção a questão.

O futuro Venezuelano nas mãos da integração

Mas a integração é um passo importante para o futuro dos países da América Latina. Tanto é isso que Chávez forçou até conseguir o ingresso da Venezuela no Mercosul. E qual o problema que quase inviabilizou a entrada da Venezuela no tratado? Basicamente a propaganda negativa da própria mídia brasileira, na esteira dos interesses norte-americanos, que pintou Chávez com cores pouco convidativas, influenciando a opinião pública.

Pintar Chávez de falastrão ou bicho-papão não resolve nada. A Venezuela conseguiu com a Alba – Aliança Bolivariana para as Américas, uma integração bem menos afetada com Cuba, onde social, educacional e comercial se complementam e não se excluem. Com este exemplo o restante da América Latina pode ter alguma base de comparação na integração de países de terceiro mundo, carentes ao extremo. E prontos a assumirem seu lugar ao sol.

Mesmo tendo uma aliança com Cuba, Chávez precisa de mais, pois sozinho não irá muito longe. A Venezuela tem petróleo de baixa qualidade, mas é abundante, em contrapartida não tem mais nada. Sua economia é toda baseada na venda desta commoditie para os Estados Unidos, que não se fartam de comprar pois é barato, por ser de má qualidade, está próximo o suficiente para não encarecer com o transporte e atende às necessidades do país.

A difícil relação EUA/Venezuela

As crises são políticas. Sempre políticas. Nenhum americano deixou de receber ou pagar seus produtos, nenhum venezuelano idem. Quanto às estatizações promovidas por Chávez, pode-se dizer que “pagou muito bem pago”, nas palavras de Gilberto Maringoni, autor do livro A Revolução Venezuelana.

Até a descoberta do petróleo, em início do século XX, a Venezuela era um país agrícola sem nenhuma importância internacional, pobre, vivendo a realidade das Américas colonizadas, como tantos outros. O petróleo mudou esse cenário.

O México na pauta do dia

Uma questão que precisa ser conhecida é a posição do México nesta integração. O país vive de contradições por ser vizinho dos Estados Unidos e ser participante da Nafta, um processo de integração interessante. Esse tratado prevê acertos econômicos, em que o vizinho rico não deixa muito para o vizinho subdesenvolvido. O México tem indústrias maquinadoras, isto é, indústrias montadoras que importam dos Estados Unidos as peças, montam, e exportam o produto acabado para os Estados Unidos por um valor adicionado muito baixo.

Isso significa que os Estados Unidos pagam o que querem ao México por suas indústrias maquinadoras de fronteira, bem entendido, pois não são levadas para o restante do país, ficando em cinturão bem delimitado, com ingerência americana clara. Por outro lado, o México se tornou o maior fornecedor de drogas para os Estados Unidos, além dos produtos montados. E não são drogas mexicanas. São drogas colombianas que somente passam pelo México, sustentada pelos cartéis mexicanos hoje muito poderosos.

E a Nafta não consegue adotar a livre circulação de pessoas. Com o problema que o México representa, ao se adotar para o tratado a livre circulação, o dia seguinte será um problema e, nas palavras de Chico de Oliveira, “se eles adotarem a livre circulação de pessoas, metade da população mexicana vai para os Estados Unidos e os gringos não querem isso”.

Mas com todo esse problema, o México deve encontrar dificuldades para integrar-se com a América Latina, justamente por não ser interesse dos Estados Unidos que isso ocorra. Apesar dos problemas enfrentados na fronteira entre os dois países, é muito bom que o México exista para servir ao vizinho rico, mesmo com o problema das drogas ou da imigração ilegal. Esse é um preço baixo a se pagar pela exploração tão organizada. Que venha o próximo passo!

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