terça-feira, 22 de junho de 2010

Livre Trânsito nas Américas, por Ligia de Azevedo

É comum ouvirmos histórias de brasileiros que saíram de casa ainda muito jovens, em busca de melhores condições econômicas. Na maioria das vezes, esses jovens instalam-se nos países da Europa e América do Norte, enfrentando trabalhos em categoria de base e que não interessam aos moradores da região. Esses movimentos migratórios acontecem quando as oportunidades de trabalho em suas cidades de origem escasseiam, fazendo com que projetem para as grandes potências, a esperança de uma vida melhor.

O Brasil, por sua vez, representa hoje, na América Latina, a promessa de uma nação economicamente independente, despertando em seus vizinhos a esperança de uma vida melhor. Latino-americanos chegam ao Brasil em ônibus clandestinos, driblando a fiscalização da Polícia Federal. O destino, na maioria das vezes, é o mesmo: as oficinas de costura instaladas no centro de São Paulo. Mesmo com a intenção de ficar pouco tempo fora de seu país de origem, esses latinos acabam encontrando uma realidade muito diversa daquela projetada por seus sonhos, transformando o provisório em permanente e, o que é pior, sem direitos de cidadão.

Não ter direitos, não ser considerado um cidadão na acepção mais simples da palavra, cria problemas outros para o país que mal os acolhe. O discurso do presidente Lula tem elevado o Brasil como terra da promissão, e a realidade encontrada por migrantes vai para um outro lado desta compreensão. E a instalação definitiva vai criar novos problemas, que tem muito a ver com a incapacidade de nossas instituições em seguirem o discurso oficial de política de integração.

O não-cidadão em busca de dignidade

O migrante acaba encontrando apoio em instituições não-governamentais, ligadas à Igreja ou mesmo a órgãos internacionais. No caso brasileiro, os migrantes buscam soluções no Centro de Apoio ao Migrante, que fica em São Paulo. O Centro é uma instituição criada em 22 de julho de 2005 pelo Serviço Pastoral dos Migrantes, com o objetivo de garantir promoção dos direitos humanos fundamentais, a inserção social e a prevenção ao trabalho análogo ao escravo de migrantes latino americanos.

A coordenação é de Paulo Illes e o Centro atende a todas as nacionalidades, mas os bolivianos chegam em números superiores. Paulo explica que de cada 20 atendimentos realizados diariamente, 17 são bolivianos, representando 70% dos atendimentos. Sem dados que comprovem o porquê do êxodo para o Brasil, concluir que a vinda desses jovens se dá por motivos óbvios é quase inevitável.

Exemplo boliviano

Visitando a comunidade de Tacamara, localizada há duas horas de La Paz, Bolívia, Paulo concluiu que motivo da vinda dos ali nascidos para as fronteiras brasileiras é a total falta de oportunidade no local. Não existem perspectivas de trabalho e futuro para esses jovens, que migram em busca de recursos. Das 2.000 famílias de Tacamara, 160 estão aqui e a população que vive hoje na comunidade é formada por crianças e idosos, que sobrevivem com o dinheiro enviado por seus parentes que realizam trabalho semi-escravo no Brasil. As condições são tão precárias que a remessa serve apenas para a subsistência e não para o desenvolvimento de uma economia que sirva à sociedade local.

Paulo Illes ainda explica que os migrantes esbarram na burocracia das instituições brasileiras, norteadas por leis da época da ditadura, que primam pela truculência e inoperância. “Ao tentar retirar seu Registro de Naturalização de Estrangeiros, o RNE”, diz Paulo, “o migrante vai à Polícia Federal, recebe um carimbo que diz que em 180 dias ele deve retirar seu documento, passam os 180 dias, ele vai lá e nada de documento, que vai demorar muito tempo ainda e, quando chega, é provisório e vencido”, afirma.

Mas para Paulo o grande problema está relacionado aos acordos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm assinado, relacionados aos estrangeiros no Brasil. Teoricamente as leis garantem os direitos dos imigrantes, mas na prática os acordos simplesmente não funcionam. A Polícia Federal não recebe reforços para o atendimento dessas pessoas e o Ministério da Justiça, que hoje analisa os pedidos de naturalização iniciados em 2002 e 2003, não tem pessoal suficiente para agilizar o trabalho.

Com a palavra, o Jubileu Sul

Luiz Basségio, ex- presidente do Jubileu Sul Brasil, afirma que para acabar com a imigração ilegal devemos resolver questões básicas como retenção de documentos, regularização dessas oficinas de costura e, por fim, a mudança das leis com a criação de uma legislação comum na América Latina, que garanta os direitos inerentes ao ser humano e transforme, por fim, o migrante em cidadão de primeira. Mas Basségio complementa essa questão com a seguinte problemática: “Não é porque tem um papel que tem direito, juridicamente pode ser, mas há que se ter direitos porque é pessoa humana”, completa.

Em meio a tantos problemas, os imigrantes ainda encaram o preconceito da população, que se convenceu que eles podem ocupar o lugar de brasileiros no mercado de trabalho. Essas pessoas não perceberam que, se há abertura do lado brasileiro, também há nos outros países da América Latina e, dependendo da especialização do indivíduo, as opções são várias.

Outro toque de mestre

O sociólogo Chjco de Oliveira complementa o tema, dizendo em entrevista para a Revista Valor Latino que integração só é possível se, primeiro, unirmos os cidadãos e, somente depois, as economias. Se o livre trânsito tem inicio, a integração posterior é mais fácil.

Para ele, o modelo europeu vem bem a calhar como exemplo para a América Latina. “A Comunidade Européia primeiro integrou cidadãos e, só então, uniu as economias, criou a moeda única e um governo central”, diz ele à reportagem.

O desafio está lançado. A vontade ainda não é única. Os povos da América Latina não tem tanta vontade de integração como demonstram seus governos e isso só seria superado com a abertura de fronteiras e de possibilidades novas de comércio, educação, trabalho e turismo.

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